sexta-feira, 28 de novembro de 2008

ALGUÉM TODA "AMOR"

Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Fui apresentada a Florbela Espanca por um amigo, em uma noite de lua, na beira da praia de Maragogi, em uma conversa tranqüila sobre vida e sentimento. O soneto era esse aí em cima – FUMO.
Foi incrivel! É difícil encontrar alguém do sexo masculino que admita que tem sensibilidade poética suficiente para apreciar uma poetisa como Florbela, considerada mais própria para seres femininos tristes e nostálgicos. E os sonetos de Florbela Espanca são de uma lamentação constante. Tudo é triste, tudo é nostálgico.

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

E eu me apaixonei de cara. Fiquei imediatamente identificada com a violência da sua paixão. E a cada soneto que leio, mais me surpreendo pela maneira como ela consegue colocar a nu a intimidade feminina.

"E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!"


A sua Poesia é de uma imensa intensidade lírica e profundo erotismo e é considerada por muitos como a voz poética da "alma gêmea" de Fernando Pessoa, autêntica, feminina e pungente:

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,

O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:

Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!


Um comentário:

Freddy Simões disse...

Privilegiados aqueles que tiveram a oportunidade de conhecer a poesia encantadora de Florbela Espanca! Beijo enorme pra ti, Suzana! O blog tá ótimo!!